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O que diz a PISA 2024 sobre a criatividade de estudantes brasileiros?

24 de dezembro de 2024,
E-docente
O que é PISA

A expressão popular “Agora a Nasa vem!”, que representa o humor criativo e a capacidade do brasileiro de encontrar leveza e soluções em situações inusitadas, é um exemplo do potencial criativo que permeia a cultura do país. No entanto, essa inventividade, tão presente nas redes sociais, memes e no cotidiano, contrasta com o baixo desempenho dos estudantes brasileiros em criatividade no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2024. 

O que é a PISA?

O PISA, conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desde 2000, avalia estudantes de 15 anos em três áreas principais: leitura, matemática e ciências. A edição de 2022, atrasada pela pandemia, trouxe um novo elemento: a avaliação da criatividade. Essa iniciativa buscava medir a capacidade dos alunos de propor soluções originais para problemas, criar narrativas inovadoras e explorar artes visuais. Entre as questões, estavam desafios como: criar títulos para uma imagem, inventar um diálogo entre o Sol e a Terra, propor ideias criativas para tornar uma biblioteca acessível a cadeirantes, sugerir soluções inovadoras para melhorar um programa de incentivo à carona, criar um pôster para divulgar uma feira de ciências e elaborar uma sinopse de filme envolvendo um humano e um robô.  

Quais foram os resultados?

Os resultados foram desanimadores. O Brasil ocupou a 44ª posição entre 56 países, com uma média de 23 pontos em uma escala de 0 a 60, bem abaixo da média da OCDE, 33 pontos. Apenas 10,3% dos estudantes brasileiros alcançaram níveis elevados de desempenho criativo, enquanto 54,3% não atingiram nem o mínimo esperado. Os países que lideram o ranking de criatividade são Singapura, com 41 pontos, sobressaindo-se em soluções para problemas sociais; Coreia do Sul, que obteve 38 pontos, destacando-se em soluções para desafios científicos; e o Canadá, também com 38 pontos. 

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Paradoxalmente, os dados mostraram que 87,4% (acima da média da OCDE) dos nossos estudantes têm interesse em aprender coisas novas e que 70,8% (outro ponto em que o Brasil está acima da média) percebem oportunidades para expressar ideias criativas na escola. Isso nos leva a fazer o seguinte questionamento: 

Se 87,4% dos estudantes brasileiros têm interesse em aprender coisas novas e 70,8% percebem oportunidades para expressar ideias criativas na escola, por que o desempenho no PISA se mostrou pífio? Quais são os obstáculos para transformar esse potencial em resultados concretos? 

Antes de respondermos a essas questões, surge outra: o que é criatividade? 

Criatividade e curiosidade intelectual na BNCC 

A criatividade é um conceito multidimensional explorado em diversas áreas do conhecimento, como psicologia, filosofia e educação. Runco e Jaeger (2012) definem criatividade como um conjunto de habilidades cognitivas utilizadas para resolver problemas ou gerar soluções alternativas. Em outras palavras, trata-se de capacidades mentais que podem ser desenvolvidas ao longo da vida, dependendo de estímulos adequados e de oportunidades para sua prática. 

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A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) destaca a criatividade como uma competência central para o desenvolvimento integral dos estudantes da Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Ela é mencionada explicitamente na segunda competência geral, que ressalta a importância de união de curiosidade intelectual, investigação científica, análise crítica e imaginação para resolver problemas reais:   

“Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusivas tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas” (p. 9). 

A curiosidade intelectual é essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de resolução de problemas, pois leva o indivíduo a se aprofundar em temas, buscar soluções inovadoras e expandir seus horizontes de entendimento. Um estudante curioso está aberto a explorar e acolher novas ideias. A criatividade, portanto, não é privilégio de alguns nem um “dom” inato, mas uma competência universal que pode ser cultivada ao longo da vida por meio de práticas pedagógicas intencionais, experiências enriquecedoras e estímulos adequados. Entretanto, essa diretriz parece pouco presente nas práticas pedagógicas cotidianas. 

Obstáculos à criatividade e caminhos para a transformação 

Retomando a pergunta feita anteriormente, o baixo desempenho dos estudantes brasileiros no exame internacional revela um problema estrutural: o sistema educacional do país não consegue transformar o potencial dos alunos em resultados concretos. Um dos principais desafios é a dissociação entre as percepções subjetivas dos estudantes e a realidade objetiva das práticas escolares. Quando os estudantes dizem ter oportunidades de expressar suas ideias criativas, isso pode significar que percebem momentos isolados em que podem fazê-lo — como em atividades artísticas ou trabalhos em grupo. No entanto, a criatividade como competência transversal, que permeia todas as áreas do conhecimento e está integrada ao processo de ensino-aprendizagem, ainda é subexplorada. 

Outro desafio está na estrutura dos currículos e na predominância de métodos tradicionais de ensino, que priorizam a memorização e a reprodução de conteúdos em detrimento do pensamento crítico e da experimentação. Muitas vezes, atividades criativas são limitadas a disciplinas específicas, como artes ou literatura, sem serem aplicadas de forma interdisciplinar ou contextualizada.  

Para abrir espaço para a criatividade e o pensamento crítico, é necessário adotar práticas pedagógicas mais flexíveis e participativas. Uma estratégia seria planejar aulas com espaço reservado para projetos interdisciplinares, nos quais os estudantes possam explorar e colaborar na construção do conhecimento. Quando o percurso do ano letivo já está “todo desenhado” pelo professor, o estudante assume um papel passivo, limitando-se a um receptor de informações previamente estruturadas. Nesse modelo, não há espaço para que ele contribua ativamente, integrando suas experiências pessoais ao processo de aprendizagem. 

Outro ponto crucial é revisar o modelo avaliativo. Avaliações que premiam apenas respostas certas desencorajam a experimentação e o erro — elementos fundamentais do processo criativo. Em vez disso, a incorporação de avaliações formativas mais dialógicas que valorizam o raciocínio, a originalidade e a capacidade de inovação dos estudantes, a exemplo de portfólios, projetos, avaliação por pares, dentre outras.  

A formação docente também é um fator crítico. Muitos professores não recebem capacitação adequada para implementar metodologias que estimulem a criatividade, como a aprendizagem baseada em projetos ou o design thinking (aprendizagem investigativa, colaborativa). Mesmo aqueles que desejam inovar encontram situações estruturais (como salas de aula superlotadas, faltam recursos tecnológicos e currículos extensos) que deixam pouco espaço para a exploração criativa. É necessário considerar que o professor também precisa de liberdade para adaptar o currículo às necessidades específicas de sua turma. Um cronograma deve ser visto como uma referência, não como um contrato inflexível. Quando o ensino se torna um diálogo, e não um monólogo, a escola pode finalmente cumprir sua missão de formar cidadãos capazes de pensar criticamente e agir criativamente no mundo. 

Outro ponto é a desigualdade no acesso às oportunidades de aprendizado. Enquanto as escolas em contextos mais privilegiados podem oferecer recursos modernos e ambientes propícios à criatividade, a maioria das escolas públicas enfrenta dificuldades básicas; é o que mostra uma fiscalização nacional dos Tribunais de Contas em 2022, quando revelou que 57% das salas de aula eram inadequadas. Além disso, 31% das escolas não tinham coleta de esgoto, 8% careciam de coleta de lixo e 82% das cozinhas não possuíam alvará sanitário. Além disso, 63% das escolas não possuíam bibliotecas ou salas de leitura, e 88% careciam de laboratórios ou salas de informática. No total, 1.082 escolas foram inspecionadas em 537 municípios, sendo 276 da rede estadual e 806 da rede municipal. Nesse cenário, a criatividade dos estudantes tende a ser sufocada por condições precárias. 

Para superar esses desafios, é fundamental transformar a maneira como a escola e o aprendizado são concebidos. É necessário promover uma cultura educacional que valorize a criatividade como um componente essencial, não um “extra”. Isso inclui flexibilizar os currículos, incentivar projetos interdisciplinares e colocar os estudantes no centro do processo de aprendizagem. Além disso, é imprescindível investir na formação contínua de professores, capacitando-os a usar ferramentas e metodologias que estimulem o pensamento crítico e a originalidade, principalmente neste contexto em que vivemos de artificialidades e virtualidades, ou seja, sem uma experiência autêntica e contextualizada da aprendizagem. 

Por fim, é crucial que as políticas públicas garantam o acesso a diversos recursos de aprendizagem, como bibliotecas escolares bem equipadas, laboratórios de ciência e tecnologia, materiais didáticos atualizados, ferramentas digitais (como computadores e tablets), plataformas de ensino, internet de qualidade. Nas escolas, espaços maker (laboratórios de criação), jogos educativos e recursos audiovisuais. Essa infraestrutura é fundamental para diversificar os métodos de ensino e estimular a criatividade e o pensamento crítico dos estudantes. As mudanças que apontamos podem transformar o alto interesse dos estudantes brasileiros em aprendizado criativo concreto, preparando-os para os desafios de um mundo cada vez mais complexo. Reiteramos: a criatividade deve ser uma oportunidade para todos, não um privilégio de poucos. 

Referências 

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Educação é Base. Brasília: MEC, 2018. 

RUNCO, Mark A.; JAEGER, Garrett J. The standard definition of creativity. Creativity Research Journal, v. 24, n. 1, p. 92-96, 2012. 

Minicurrículo 

Patrícia Rosas  

Professora Adjunta do Departamento de Metodologia da Educação (DME) da UFPB; atuando no Curso de Pedagogia; Pós-Doutora em Linguagem e Ensino (UFCG); Doutora em Linguística (com Doutorado-Sanduíche na Universidade Federal de Buenos Aires/UBA, Argentina); Mestre em Linguagem e Ensino (UFCG); Graduada em Letras (UEPB) e Pedagogia (UNICESUMAR). Como professora da educação básica (2003-2023), criou o Projeto de Leitura e Escrita “Desengaveta Meu Texto” e a Revista Tertúlia. Esses projetos lhe renderam prêmios e indicações, como o Prêmio LED – Luz na Educação (2022) da Rede Globo e Fundação Roberto Marinho, o Prêmio “Melhores Programas de Incentivo à Leitura para Crianças e Jovens de todo o Brasil” (2019), da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), além de três indicações como finalista do Prêmio Jabuti, Eixo Inovação, Categoria Fomento à Leitura (2018, 2019, 2021). 

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